
Venezuelan people cross the border to get to Colombia by a "trocha", muddy footpaths that cut across the scrubland that covers the banks of the Tachira River, which forms the border between Venezuela and Colombia. ; Although most of the estimated 45,000 Venezuelans that cross every day into Colombia return to their country, up to 5,000 of them remain in Colombia or continue their journeys in search of safety and a new life in other Latin American countries such as Ecuador, Peru and Chile.
13 de janeiro de 2021
Iniciativa privada e ONU se unem para aumentar a oferta de emprego a refugiados
Por Karen Garcia
O Brasil é, cada vez mais, a pátria dos sem pátria. Em 2020, o país recebeu 26.810 refugiados de 70 nacionalidades. O volume representa 38% do total de decisões de acolhimento emitidas pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e o Ministério da Justiça desde 2017. Atualmente, são mais de 69 mil asilados formalmente no território brasileiro. As mulheres compreendem pouco mais de um terço dessa população, segundo dados do Conare.

Sair do país de origem, na maioria dos casos na tentativa de escapar de graves violações de direitos humanos, resolve a primeira parte do problema de um refugiado. A segunda metade, tão ou mais complexa de ser equacionada, é como se sustentar. Estima-se que apenas 10% da população refugiada em idade de trabalhar esteja formalmente inserida no mercado de trabalho brasileiro.
Engajamento de empresas
Para reduzir esse abismo social, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e o Pacto Global da ONU criaram a plataforma “Empresas com Refugiados”. A iniciativa, que conta com o apoio de empresas como Carrefour, Sodexo, MRV, Uber, Unidas e Lojas Renner, tem como objetivo compartilhar boas práticas corporativas que beneficiam a integração de refugiados no país.
Paulo Sérgio de Almeida, oficial de Meios de Vida da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), explica que a Nova Lei de Migrações, aprovada em 2017, trouxe avanços significativos para o país na política de inclusão de pessoas refugiadas.
“O Brasil tem uma legislação moderna no tema. Quem solicita refúgio tem uma série de garantias, podendo não só circular no território, mas ter acesso a trabalho, saúde e assistência social. É importante vê-los como sujeitos de direitos, como um público que pode e vai estabelecer uma contribuição para o país”, afirma Almeida.
Empregabilidade de pessoas refugiadas
No último ano, devido à crise política e socioeconômica na Venezuela, 90% dos solicitantes de asilo no Brasil foram venezuelanos. O estado de Roraima, que faz divisa com o país, foi o principal destino da população em busca de abrigo. A maioria das pessoas refugiadas pertence à população economicamente ativa, com faixa etária entre 18 e 59 anos. No entanto, há uma série de dificuldades para a inserção socioeconômica desse público.

“Quando falamos de refugiados, estamos falando de diversas origens – com formação acadêmica, experiência profissional. Geralmente, são pessoas que largam tudo em seus países por conta de alguma situação extrema. Por mais que haja uma série de direitos garantidos, observamos uma baixa inserção profissional”, aponta Paulo Sérgio.
Desafios para inserção no mercado de trabalho
A dificuldade com o idioma, o pouco conhecimento sobre os direitos e a falta de reconhecimento das habilidades, certificados e diplomas estão entre os principais desafios para a colocação de pessoas refugiadas no mercado de trabalho, na visão de Almeida.
“As pessoas geralmente conseguem empregos abaixo da sua qualificação, recebendo salários mais baixos. É um desperdício de talento. O país deixa de contar com a especialização desse profissional”, diz.
O site do “Empresas com Refugiados” conta com informações gerais sobre refugiados, materiais de referência, pesquisas relevantes e orientação sobre o processo de contratação de pessoas pertencentes a esse grupo. Entre os pilares de atuação estão a promoção da empregabilidade, apoio ao empreendedorismo, incentivo a meios de conhecimento e realização de iniciativas de sensibilização e engajamento. ?
Melhoria de qualidade de vida
Lilian Rauld, head de Diversidade e Inclusão da Sodexo On-site Brasil, conta que com o crescente número de pessoas em situação de refúgio ao redor do mundo pressiona a preocupação das empresas para abrir espaço no mercado de trabalho a elas. Atualmente, a companhia conta com 202 colaboradores vindo da Angola, Congo, Haiti, Senegal, Paquistão e Venezuela. Além da paridade de gênero, o grupo também conta com pessoas com algum tipo de deficiência.
“Não é difícil encontrar casos de refugiados e migrantes em situação de vulnerabilidade que encontram dificuldades para conquistarem uma oportunidade no Brasil. A interseccionalidade é importante para os pilares da diversidade”, explica Rauld.
No mundo, o Grupo Sodexo já contratou cerca de 1.800 profissionais em situação de refúgio desde 2018.

“A sociedade não pode funcionar quando você deixa tantas pessoas para trás, e os refugiados só querem pertencer a uma. Contratar refugiados é uma das maneiras pelas quais estamos melhorando a qualidade de vida em nossas comunidades“, destaca a executiva.
Para auxiliar no processo de acolhimento dessa população e criar um ambiente propício, a Sodexo promove movimentos de sensibilização, por meio de treinamentos e publicação de manuais aos colaboradores, abordando temas como a realidade dos refugiados em seus países de origem e o respeito a diferentes culturas, tradições, idioma e hábitos, além de ações internas voltadas para a inclusão de refugiados na companhia.
Boas práticas que transformam
Além de apoiar financeiramente a iniciativa, o Carrefour viu na pauta de empregabilidade de refugiados uma oportunidade de promover a diversidade entre os colaboradores, segundo Kaleb Machado, Gerente de Diversidade e Inclusão da empresa.
“O respeito e a valorização da diversidade e inclusão, são temas e atitudes inegociáveis. Desde 2012, trabalhamos diariamente a cultura do respeito e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas e todos os públicos que nos relacionamos. Entendemos que precisamos ter times diversos e plurais. E as pessoas em situação de refúgio precisam estar inseridas neles para agregar, não só um novo aspecto aos negócios, mas também novas experiências para todos os nossos colaboradores”, relata.
Busca de diversidade como alavanca
Segundo o executivo, o Carrefour conta atualmente com mais de 100 colaboradores em situação de refúgio. A empresa tem como meta de paridade de gênero o Censo demográfico brasileiro para equidade entre funcionários.

“Valorizar a diversidade e promover a inclusão está em nosso DNA. Dessa forma, o Carrefour continuará com o crescente desafio de empregabilidade de pessoas em situação de refúgio no Brasil, buscando manter suas atuais parcerias e ampliar suas ações afirmativas para que a inclusão seja uma constante em nossa organização”, conta.
Desafio é ainda maior para as mulheres
Durante a pandemia, o nível de desemprego no Brasil bateu recorde. Em 2020, a participação das mulheres no mercado de trabalho foi a menor em 30 anos. Em função da sobrecarga nas tarefas domésticas e nos cuidados com crianças e idosos, a parcela de mulheres que estão ocupadas ou em busca de um trabalho chegou a 46,3% no segundo trimestre; desde 1991 o número não ficava abaixo de 50%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Com objetivo de minimizar os desafios para a inserção profissional de mulheres refugiadas, o projeto “Empoderando Refugiadas” promoveu capacitações para que estrangeiras que saíram de seus países em busca de uma vida mais segura possam ter acesso a emprego e renda. O projeto conta com o apoio da ONU Mulheres e pertence ao escopo mais amplo da iniciativa “Empresa com Refugiados”.
Desde 2016, o Instituto Lojas Renner, braço social das Lojas Renner, participa da iniciativa oferecendo capacitação profissional a refugiadas vindas de países como Angola, Congo, Nigéria, Haiti e Venezuela.
Ao longo dos últimos anos, mais de 300 refugiadas foram capacitadas nas modalidades de Atendimento e Vendas para o Varejo e Modelagem e Costura. Desse grupo, 90 profissionais foram contratadas pelas empresas das Lojas Renner S.A e interiorizadas com suas famílias para diferentes cidades do Brasil.
Panorama global de refúgio
Até o fim de 2019, 79,5 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. Isso significa uma em cada 97 pessoas globalmente — mais de 1% da humanidade. 80% das pessoas deslocadas no mundo estão em países ou territórios afetados por grave insegurança alimentar ou desnutrição.
Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), o deslocamento forçado praticamente dobrou na última década. O número de crianças deslocadas (entre 30 e 34 milhões, sendo dezenas de milhares desacompanhadas) é tão grande quanto as populações da Austrália, Dinamarca e Mongólia juntas.
Com pouco mais de um ano e meio de existência, a plataforma “Empresas com Refugiados” já beneficiou mais de 5 mil pessoas, segundo Paulo Sérgio Almeida, do ACNUR. O executivo destaca que empresas e pessoas físicas vêm apoiando a causa de pessoas refugiadas de diversas formas e a plataforma tem sido uma ferramenta de informação e sensibilização com a temática de refúgio.

“Ainda que algumas empresas possam não contratar no momento devido ao contexto econômico do país, podem vir a apoiar processos de capacitação. E conforme a retomada da economia, essa mão de obra tende a ser absorvida. A partir dessas boas práticas em vários âmbitos – na empregabilidade, apoio ao empreendedorismo, capacitação – foi possível inspirar outras empresas a aderir ou apoiar a causa do refúgio”, reflete Almeida.
Crédito para refugiados
Uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília revelou que entre os empreendedores refugiados e migrantes venezuelanos no Brasil, o acesso ao crédito é uma das dificuldades.
O levantamento apontou que os negócios estão concentrados nas áreas de alimentos e serviços pessoais e contam com faturamento mensal bastante variado. Enquanto em Boa Vista este valor está geralmente abaixo do salário mínimo, em São Paulo a renda varia entre R$ 4,5 mil e R$ 25 mil por mês.
Em dezembro do ano passado, o Banco Pérola lançou o Fundo Creditodos com foco na concessão de crédito para empreendedores refugiados e migrantes. Há mais de 10 anos a associação empresta dinheiro com juros menores para pessoas com dificuldade de acessar o sistema financeiro tradicional.
A linha de microcrédito é destinada para pessoas com mais de 18 anos, sem dívida prévia, com atividade produtiva formalizada ou não. Inicialmente, o recurso está disponível para solicitantes que residam nas cidades de Manaus, Brasília e Rio de Janeiro.
Informações e acesso ao formulário de solicitação de empréstimo podem ser requisitados por e-mail (contato@creditoperola.digital) ou através das redes sociais da instituição.
Desenvolvimento sustentável
Mesmo com a necessidade de distanciamento social durante a pandemia, as ações de mobilização e engajamento promovidas pela Acnur e Pacto Global não foram interrompidas. A rede também realizou, em parceria com a consultoria Tent Partnership for Refugees, uma série de webinars sobre boas práticas de empresas com foco na população em situação de refúgio.
Um dos cases apresentados em seminário online foi o Projeto Reinventar, uma iniciativa da BRK Ambiental em parceria com a Foxtime, que oferece capacitação profissional técnica em manutenção em instalações hidrossanitárias para mulheres refugiadas e brasileiras em situação de vulnerabilidade, visando facilitar a inserção no mercado de trabalho.
Em um mundo cada vez mais moldado pelas mudanças climáticas, pobreza e conflitos, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável não podem ser alcançados sem levar em conta os direitos e as necessidades dos refugiados, dos deslocados internos e dos apátridas.