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4 de julho de 2022

As metas de equidade racial na B3

Por Cintia Salomão

Há 11 anos na B3, o advogado paulistano Guilherme Peixoto Barboza dos Santos é superintendente de Processos Licitatórios. Desde 2018, ele também atua como um dos líderes do Núcleo de Diversidade com Foco em Raça e Etnia, que promove diversas ações de inclusão no interno da companhia. Mudar a visão do setor financeiro de capitais como um mercado proibitivo para funcionários negros está entre as missões do Núcleo. 

O executivo de 37 anos considera sua trajetória de sucesso um fenômeno individual. Como líder de Diversidade, atua para que os profissionais negros não se sintam exceções que confirmam a regra do racismo.

“Em decorrência do racismo estrutural que temos no Brasil, há barreiras invisíveis e sutis. Considero minha trajetória uma vitória individual, de sorte, por ter encontrado pessoas que me auxiliaram e não me submeteram a questões raciais no trabalho. Mas as barreiras sempre estiveram ali. Eu fui o único em muitos momentos da minha vida: o único advogado, o único estagiário.  Sabemos que as pessoas sofrem racismo o tempo todo, e obviamente já vivi isso fora do meu ambiente de trabalho”, comenta com o portal Integridade ESG.

A virada na Bolsa de Valores de São Paulo rumo à diversidade começou em 2017, ano da fusão BM&FBovespa – Cetip. Ambas eram empresas distintas. Enquanto a BM&F Bovespa atuava no mercado de negociação de ações, a Cetip lidava com títulos financeiros.

“A mudança cultural começou com a realização de censos em análise qualitativa e quantitativa dos nossos quadros. O tema diversidade passa a ser constante. A pauta ESG já era acompanhada anteriormente, mas focada na questão ambiental. O surgimento da B3, em 2017, faz surgir também a mudança cultural corporativa, e passamos a querer entender onde estavam os gaps de representatividade”, conta.

O executivo de 37 anos entrou na Bovespa atuando no departamento jurídico, ainda em 2011. Em 2017, passou a gerenciar a área de processos licitatórios e, desde 2020, atua como head da área de processos licitatórios — que presta assessoria nos projetos de concessão e privatização para os governos federais, estaduais e municipais. Ele viu nascer os núcleos focados na diversidade e participou ativamente das campanhas de mudança de mentalidade.

“Em 2018, elaboramos o censo e criamos os núcleos. Sou um dos líderes do Núcleo de Diversidade Racial desde a sua criação”, relembra.

Um dos objetivos do Núcleo é auxiliar o corpo diretivo na tomada de decisões e nos processos para fomentar a diversidade interna e auxiliar a B3 junto à sua responsabilidade como indutora externa de práticas ESG em todo o mercado financeiro.

Desde 2019, ações promovem diretamente a equidade racial interna. A B3 levou adiante campanhas de educação interna e um processo de formação de toda a liderança focada em diversidade. Com treinamento de líderes e reuniões temáticas junto às diretorias, o planejamento estratégico do Núcleo trabalha em três frentes: educação interna; empregabilidade, trazendo pessoas negras para a B3 e influência dos stakeholders na promoção da diversidade.

Além disso, a equipe mediu a quantidade de pessoas negras na empresa e que participaram dos processos seletivos. A B3 ainda participa de uma série de eventos relevantes sobre empregabilidade de pessoas negras, como a Feira Preta. Houve treinamentos com empresas especializadas, como a Empodera e o ID_BR — entidades que Guilherme classifica como “parceiros que iniciaram essa jornada antes de nós”.

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O Núcleo de Diversidade com Foco em Raça e Etnia foi criado em 2018 e, desde então, promove programas de capacitação das lideranças da Bolsa com foco na diversidade

“Buscamos hoje currículos em bancos de dados dos nossos parceiros e promovemos ações exclusivamente voltadas para negros, como um programa de estágio que fizemos no ano passado. Mais do que dobramos nossa representatividade. Efetivamos mais de 60% dos jovens que participaram, enquanto outros continuam estagiando. Fizemos a mentoria de todos os estagiários negros com o objetivo de trabalhar eventuais questões que pudessem ser um gap. Não foi obrigatório, mas a maioria participou. Eu mesmo fui um mentor. Foi muito interessante para todos nós”, comenta Guilherme.

Em 2021, 125 jovens participaram de um programa de capacitação específico para pessoas negras para o mercado financeiro, durante o qual receberam uma robusta formação.

O objetivo de todos os processos de seleção e recrutamento promovidos pelo Núcleo de Diversidade com Foco em Raça e Etnia é eliminar práticas que frequentemente penalizam as pessoas negras, como formação considerada de segunda linha e moradia periférica.

“Sabemos que há um grande número de pessoas negras que moram em regiões periféricas, que chegam às faculdades por meio do Prouni, muitas vezes não consideradas pelas grandes empresas como de “primeira linha”. E muitos têm lacunas relacionadas ao inglês. Procuramos eliminar eventuais barreiras que sejam colocadas. Com isso, temos conseguido aumentar a quantidade de pessoas negras”, afirma Guilherme.

Diversidade racial é medida desde 2018

A liderança do Núcleo de Diversidade da B3 ressalta que não é possível evoluir sem o controle efetivo dos números. Por isso, o setor trabalha com metas corporativas.

“Nosso objetivo geral é aumentar o mínimo de 2% nos números da B3 a cada ano”, resume Guilherme Peixoto.

Em 2018, havia 10% de pessoas negras no total de funcionários da Bolsa. Em 2021, esse percentual passou para 17%. Atualmente (junho de 2022), o percentual é de 20%, A meta para o final de 2022 é atingir, no mínimo, o patamar entre 18,5% e 21%.

“A meta era corporativa, mas esse ano está vinculada a cada gestor. Por isso, cada gestor tem sua própria meta”, explica o executivo da B3.

O papel do dress code e a mensagem de pertencimento

O executivo da B3 chama de “trabalho de pavimentação” as ações que procuram fazer com que as pessoas negras se sintam representadas.

“Sabemos que o mercado financeiro é visto como um mercado predominantemente ‘branco’. Atuamos para mudar essa percepção, aproximando-nos dos movimentos ativistas. O mercado financeiro, porém, deve ser um lugar onde as pessoas negras se reconheçam”, pondera.

Opapel do dress code nesse processo é fundamental, atesta Guilherme. E constitui atualmente um bom exemplo de como a B3 mudou culturalmente, segundo ele.

“Como eram as empresas do mercado financeiro de capitais antes da B3? Os homens sempre de tenro, gravata e sapato, e as mulheres, de sapato”, lembra.

A vestimenta, no fundo, trazia uma mensagem de pertencimento com um único dress code, observa Guilherme, atraindo quem se sentia à vontade com aquele traje.

“Hoje, a B3 diz aos colaboradores: Vista-se de você, como você se sente bem. Isso atrai e muda como as pessoas se veem dentro da companhia. Quando você tem todos os dress codes, o cabelo azul ou a tatuagem à mostra, você atrai todo o tipo de talento”, conclui o líder do Núcleo de Diversidade da B3, avisando que as pessoas acostumadas ao antigo código de vestimenta do mercado financeiro “ficariam surpresas se visitassem a B3 hoje”.

Guilherme Peixoto avisa aos profissionais negros que sofrem com as barreiras invisíveis do racismo estrutural da sociedade brasileira que a batalha agora é coletiva.

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“Quando você tem todos os dress codes, você atrai todo o tipo de talento”

“A batalha é coletiva, e nós, negros, que estamos em posições de destaque, estamos trabalhando para modificar essa cultura. Cada vez mais as empresas têm essa consciência. E temos trabalhado cada vez mais para que essas barreiras caiam e para que as pessoas do mercado de trabalho possam ter acesso a ambientes profissionais, e sem serem as exceções que confirmam a regra”, finaliza.

Núcleo analisa as empresas do ISE B3

Uma das responsabilidades do Núcleo de Diversidade da B3 é calcular o índice de sustentabilidade empresarial, o ISE B3. Os critérios de equidade racial estão incluídos nos critérios gerais do índice. As empresas respondem a formulários sobre suas práticas ambientais e de governança, diversidade racial. Em seguida, são ranqueadas. Cada empresa é a própria responsável por implementar suas práticas ESG.

“Nossos consultores têm o papel de verificar a efetividade dos relatos, por meio dos documentos. Você fala, faz e demonstra como faz. Nossos consultores analisam os documentos. E quem não faz, explica por que não faz”, diz Guilherme.

O ISE B3 tem uma dupla função, na prática. Além de trazer a métrica das empresas que praticam ESG, acabam fazendo-as entender por que estão distantes dos resultados. Perguntas como “Sua empresa possui uma área que promove a diversidade racial?” e “Seu processo de recrutamento impede a exclusão ou cria barreiras?” dão dicas e potencializam os próprios temas. Outras questões indagam se a empresa realiza censos.

Além das revisões realizadas da lista das empresas incluídas no ISE B3 duas vezes por ano, existe um rebalanceamento sempre há necessidade, como no caso de acidentes ambientais. “Em momentos de questionamentos na conduta de determinada empresa, nossos mecanismos de revisão são acionados para verificarmos se há algum ponto que precisa ser revisto nos nossos procedimentos”.