
29 de novembro de 2022
Combate ao racismo no Brasil envolve Poder Público e organizações
Estado, organizações e indivíduos devem combater racismo estrutural
Por Cintia Salomão
No mês da Consciência Negra, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou números que comprovam o acirramento das desigualdades entre negros e brancos no país nos últimos três anos.
“Séculos e séculos de práticas racistas fizeram com que nossa sociedade se estabelecesse a partir do racismo estrutural que segue alimentando esta desigualdade demonstrada pelos números citados”, comenta com o portal Integridade ESG a co-founder da consultoria de diversidade e inclusão Div.A, Kaká Rodrigues.
Os dados constam da segunda edição do estudo “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, que mostra que a queda na renda familiar dos brasileiros, desde 2019, acompanha um aumento na disparidade racial. Em 2020, negros ganhavam em média 48,0% menos que brancos; em 2021 lacuna se ampliou para 49,4%. Entre os pardos, a disparidade também se ampliou de 46,8% para 48,3%. Esse agravamento de um problema histórico ocorre paralelamente ao avanço da agenda da diversidade e do incremento das ações que promovem a presença de mulheres negras entre as empresas.
Kaká Rodrigues acredita que o problema, complexo, demanda não uma, mas “várias ações conjuntas para que seja endereçado”.
“A pandemia da Covid-19 veio para escancarar essa desigualdade e contribuir para aumentá-la ainda mais. E, para enfrentar esse problema, é necessário que o Estado, as empresas públicas e privadas e as pessoas de forma individual atuem fortemente, cada um dentro de seu espectro de influência”, enfatiza.
A estrategista e especialista em Gestão de Pessoas define o papel do poder público e da esfera privada nessa luta para reduzir o racismo no Brasil. O Estado deve promover políticas públicas que “contribuam de maneira perene para a redução da fome e acesso à educação de qualidade à população negra e carente”, defende.

“Para enfrentar o problema do racismo no Brasil, é necessário que o Estado, as empresas públicas e privadas e as pessoas de forma individual atuem fortemente, cada um dentro de seu espectro de influência”
Kaká Rodrigues, co-founder da consultoria de diversidade e inclusão para empresas Div.A
As empresas, por sua vez, têm o papel de promover ações afirmativas, inclusive em direção à transformação da consciência dos líderes corporativos.
“As organizações devem agir por meio de ações afirmativas para aumentar a diversidade racial na base da força de trabalho e de ações para promover a conscientização da liderança em relação à valorização da diversidade. Um dos maiores entraves para o crescimento de diversidade na camada executiva é o preconceito, muitas vezes inconsciente, existente nos líderes que ocupam atualmente os espaços de poder. É imprescindível que ocorra uma transformação no nível pessoal desta liderança, por meio do reconhecimento destes vieses e desenvolvimento de práticas de liderança inclusiva para que representantes de grupos menorizados possam ascender na empresa, aumentar a representatividade destes grupos e fomentar o empoderamento coletivo do grupo”, afirma.

“O Brasil elegeu 91 mulheres negras (pretas e pardas) em 2022, número recorde, mas que não reflete a população. Estamos votando em candidatos e candidatas que vão movimentar as políticas públicas para que esses gaps no âmbito da macroeconomia sejam endereçados em uma perspectiva de valorização da diversidade?”
Luis Eduardo F. Oliveira, especialista de Diversidade e Comunicação da Gestão Kairós
Os indivíduos, por sua vez, também devem participar desse processo antirracista.
“Como indivíduos, nós desempenhamos diversos papéis na sociedade, na família, na escola, nas empresas e nas instituições religiosas, por exemplo. Adotar práticas antirracistas, e, desta forma, contribuir para a evolução da nossa sociedade, com mais justiça social e oportunidades para todas as pessoas”, comenta Kaká Rodrigues.
Pesquisa da Gestão Kairós mostra que apenas 8,9% dos quadros organizacionais são mulheres negras
Um estudo da Gestão Kairós, consultoria especializada na construção e na implementação de programas de diversidade e inclusão nas empresas, também evidencia o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. A pesquisa intitulada “Diversidade, Representatividade e Percepção – Censo Multissetorial 2022” mostra que 32% do quadro funcional das empresas são mulheres e 33% são negros (pretos e pardos). Entretanto, no recorte “mulheres negras”, o percentual cai para 8,9%.
Luis Eduardo F. Oliveira, especialista de Diversidade e Comunicação da Gestão Kairós, explica que o percentual de profissionais autodeclarados negros é similar a estudos de mercado, realizados nos últimos 10 anos, o que mostra um processo sintomático do racismo estrutural e institucional nas esferas da sociedade brasileira.
“No Brasil, mulheres negras são 29% da população brasileira e a disparidade e sub-representatividade seguem sendo exponenciais tanto no quadro funcional, quanto na liderança das empresas, mesmo daquelas que são engajadas para a temática e que são referência”, ressalta.
Para ele, a falta de mulheres negras na política merece atenção quando analisamos dados macroeconômicos, como o aumento das desigualdades e o racismo no Brasil.
“A representatividade de mulheres negras afeta outras estruturas da sociedade, como a política. Os dados do Tribunal Superior Eleitoral sobre as eleições de 2022 mostram que a população elegeu 91 mulheres negras (pretas e pardas), número recorde, mas que ainda não reflete a população de mulheres negras da sociedade brasileira. Nesse processo tão comum a todo cidadão e cidadã brasileira, estamos assegurando que o nosso voto seja inclusivo? Estamos votando em candidatos e candidatas que vão movimentar as políticas públicas para que esses gaps econômicos, educacionais no âmbito da macroeconomia sejam endereçados em uma perspectiva de valorização da diversidade?”, questiona.
De acordo com as experiências da Gestão Kairós junto a empresas em relação ao aumento da liderança feminina negra, as organizações falham em alguns processos, desde a contratação.
“Via de regra, quando se trata de diversidade, as empresas falham sistematicamente em processos basilares que vão assegurar a proporcionalidade. Esses processos são a contratação, retenção e desenvolvimento de mulheres negras no quadro funcional e na liderança nível gerente e acima; o financiamento de projetos liderados por mulheres negras; a contratação de fornecedoras negras; a proporcionalidade de mulheres negras nos castings e representando a empresa nos eventos institucionais e de reconhecimento”, explana Luis Oliveira.